Célia Moura



















As Mães Nunca Morrem




Não,
As Mães nunca morrem!

Mãe é Luz acesa
Na imensa escuridão da noite,
É vida primeira
Na nossa vida,
Bandeira de Amor hasteada
Em todos os palcos, prantos e sorrisos
De nós.

Mãe,
É pele primeira, é sangue, é cordão umbilical
Grito de dor e alegria maior.
Sublimação das esferas
Deusa de todas as quimeras!

Mãe,
Poderá ser primeira e derradeira palavra.
É fragata em alto mar
Sobrevivente
A todas as preces.

Ainda que se despedindo
Em seu último fôlego,
Mãe não parte!

As Mães nunca morrem!
Sempre no Inverno, na Primavera, no Verão e no Outono
Elas estarão acolhendo seus filhos pela mão
Plantando flores diversas em seus peitos,
Sussurrando sábios conselhos
Na voz da maresia,
Em cada gaivota que passa.

Mãe,
É, e será sempre teu cais de silêncio
Tuas mãos entrelaçadas na berma da Ternura
Desafiando o Tempo.

Elas ficam do outro lado
Fiando memórias
Tecendo a eternidade
Aguardando-nos.


© Célia Moura – (A publicar)






Murmúrios



Perseguem-me dias sempre iguais,
Num cais da infância
Entre as paredes do meu quarto.
Quatro paredes de lágrimasPor vezes búzios em valsa pela enseada
Dos murmúrios.

A noite persegue-me entretanto
Essências do rosmaninho enlaçados de alecrim,
Cantatas de pinheiros mansos e suas
Resinas frescas.

Perseguem-me as palavras que não sei dizer,
O fado que não sei cantar,
Persegue-me a morte que não sei morrer…

Minha sina é esta,
Ter esta condição!
Não saber o que é o abraço de um irmão,
Ter dançado com as feiticeiras na eira
E observado tarde demais que a Lua era similar
À roda da carroça
Que o meu avô guardava no telheiro.

Ter entendido o amor assim que o perdi
Quando nas minhas asas já quebradas eu deixava
sucumbir todo o Infinito, todas as fogueiras,
todas as ausências de um querubim
E parti de mim no murmúrio sereno das fontes.

© Célia Moura, (inédito) 19.IV.2016
(Pascal Chove Painting)









O riso dos cravos

Em que estrondo me desfaço e estilhaço,
Quando somente desejo as pétalas
De todas as flores
Dos teus canteiros
Que já não tens,
Minha Mãe.

Saberás tu Mãe que não te direi adeus!
Que sempre hei-de permanecer no teu Jardim.

Em que orgias de êxtase e de lamento ouso gritar ainda,
Minha voz de inércia corrompida,
Minha última vénia
Às damas da utopia?

Ai, minha tremenda anarquia,
Meus jardins de estilete,
Para onde ides, tão longe?

Meus vértices, minhas catarses,
Ou amarguras
De que campanários me desprendo ainda?

Ai ninfas dos meus sorrisos, flores pálidas do meu regaço, ide!

Ide entre estrondos e estilhaços de gritos breves,
Ide saudar a Vida,
Minha adorada Mãe!

À criança de minha Mãe

© Célia Moura, in “Enquanto Sangram As Rosas…”








AUSÊNCIAS



Sinto o sabor do meu sangue,
Nos lábios.

Dói-me, porém delicia-me,
Esta adaga,
Estas chicoteadas ferozes de vento quente
Na pele.

Rasgo-me por inteira,
Como quem perde um filho!

A Dor maior da existência humana toda em mim!
Que se faça silêncio, por favor!
Honremos todas as mães!

Já nem choque, pranto, riso ou convulsão,
Nem qualquer metamorfose sagrada!
Calemo-nos então!

Já não há nada!

O sabor do meu sangue,
Permanece-me nos lábios,
E nos olhos duas chagas flamejantes,
Em restauro de agonia,
Ou flor,
Ou lilás,
Ou somente a agreste tortura
De já nem saber amar!

Tento expulsar-me,
Expulsando-te,
Mas a angústia reclama mais rasgos de pele,
Mais ausências plenas!

Que exorcismo me poderá libertar?…
Que magistral exorcismo nos poderá libertar?

Hoje,
Em meu banquete,
Rodopiam como loucas mariposas,
As palavras, as perdas, o clamor do sangue,
E este temor súbito de ter aqui todas as palavras,
Todas serem escassas,
Para me poderem suportar!

Dos meus lábios está acesa uma fogueira.

© Célia Moura, in “Enquanto Sangram As Rosas…” 04/05/2011










Liberdade

Eu me ramifico muito para além da bruma
Para que saibas
Que a nudez que vês
Já não é a minha
Eu só sorrio, eu já não grito,
Já não choro,
Sou abandono tranquilo neste anoitecer de mim.
Só pressinto que fui a imagem de alguém,
E há muito não habito aqui.

Acenas-me adeus da janela do quarto
Olho-te uma última vez
E do jardim dos meus exílios
Uma criança sorri.

© Célia Moura – (A publicar)









 Irás rodopiar em meu umbigo
 Irás rodopiar em meu umbigo
 Como um ensandecido,
 Beijar minha púbis
 Como se sempre te tivesse pertencido.
Lamber meus lábiosNessa secura de morte,
 Limpar meu sangue com teu corpo
 E irracionalmente
 Quando na Partida
 Levar comigo todas as fontes
 Virás sufocar-te na foz
 De todos os meus prantos
 De todo o meu prazer debruado a linho
 E mel de rosmaninho,
 Entre o nós, que não parimos
 E meu leito de fogo perpetuamente
 Renascido.
Fui tua lava, cristal de rocha desmembrado,
 Teu grito mudo, tua grande ironia…
Lembra-me no tempo das cerejas!


Criança de ninguém



Vós, que sempre me sorris,
Dizei-me, vos rogo
Por onde vagueia hoje aquela pobre menina que sozinha
Chorava pela estrada?

Ela tinha mãe!
Ela tinha pai!

Mas, ela não pertencia a ninguém.

Perdida ficou pela estrada do Destino,
Era carga a mais,
E a jornada longa, árdua.
A menina descalça caminhava e sangrava.
Era mais uma criança escrava, porém livre
Como um pintassilgo,
E prostrada adormeceu com o anoitecer mais belo,
Entre os bravios pinheirais.

Agora, já não tinha mãe,
Já não tinha pais!
Mas, esta criança não pertencia a ninguém!
Aprendeu a linguagem do firmamento,
Saboreou todas as alvoradas,
E com seus pezinhos nus, ainda feridos como um castigo
Fez a Divinal entrega à genial cor da serra, das flores silvestres,
E da passarada em seu redor.

Somente hoje alguém a deseja.

Eu a reclamo,
Sim eu, com todo o fervor!
E, vos grito, até não me suportares,
Se alguém a viu,
Trazei-a a mim,
É minha irmã de alma,
Meu coração trago arrastado,
Rasgado pelo chão,
E assim não poderei amar,
Sem a sua essência sagrada,
Como poderei voltar a amar!

Trazei-me, vos suplico e vos ordeno,
A criança que desprezada ficou algures pela estrada!

“E uma mulher que trazia
um menino ao colo disse:
– Fala-nos das Crianças.
E ele respondeu:
– Os vossos filhos
Não são vossos filhos:
São filhos e filhas da própria Vida.”
(Khalil Gibran)

© Célia Moura, in “Enquanto Sangram As Rosas…”
 






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