Fernanda R. Mesquita























A tarde ternamente preguiçosa 

A tarde ternamente preguiçosa
adormece sob o manto suave do luso-fusco,
fecha os olhos e abre a alma às histórias
que a voz do anoitecer, em imagens brandas, vai contando...

E a tarde ternamente preguiçosa,
adormecida
vai ouvindo, cheirando, saboreando
a liberdade em que se funde todo o universo.

Eu sinto-me frescura verde sem idade
espalhando-me alma sem corpo
virgem leitor de um mundo que se oferece cheio de tempo.


Contemplação 



Na imensidade dos anos que passam tão rápido
´´readmiro`` o subtil encanto de certos detalhes
requintados e penetrantes da vida.
Cegos por atingir grandes quantidades de êxtase
presos às ideais aparências
embebemos os dias em imagens falsamente decoradas,
vazias...
Contemplação que nos cansa tão rapidamente,
 tão rapidamente perde o seu encanto!
Passivos ao esplendor da vida
e ansiosos por novas faíscas de emoções,
 com um poder mais sedutor,
dirigimos a atenção do nosso olhar
para outros rumos tão pouco necessários
que perpetuam desconcertantes influências,
que nos roubam o fundo da nossa alma
 e nos conduzem à inferioridade do ser humano,
tornando-nos incapazes de descobrir
o caminho mais curto para a felicidade,
 onde desabrocha mais pura
a verdade harmoniosa
que nos oferece felicidade na hora certa em que precisamos dela
e que nós não queremos por ser simples demais...
( Antes de contemplarmos as estrelas no céu,
deixemos que os nossos olhos vejam o que brilha ao nosso lado!)


Lágrimas
Gotinhas húmidas e transparentes
queimam o meu rosto cansado!
Mas não são lume!
São lágrimas fortes e quentes,
são um grito silenciado
num silencioso queixume.

São um livro fechado
tão quase depois de o abrir,
são o poema inacabado
que a meio quis partir.

E nessa lágrima transparente,
nesse silencioso queixume,
morreu o sorriso inocente
numa gotinha quente
que queima sem ser lume!



O Joãozinho
Joãozinho já estava a ficar grandinho,
já comia sozinho,
já passara a idade de usar babete...
Mas um dia, no dia em que fazia sete aninhos,
a mãe estranhamente amorosa disse:
- Comprei-te um babete com o número sete.
Hoje tens de o usar. Vá senta-te.
Está quieto,
hoje é dia de festa.
Pronto... assim... toma.
Hoje, quem te dá a sopa, sou eu.
Não vás por nódoa no fato novo...
Não está quente, não vês que estou a soprar?
Bonito, comeu a sopa toda!
Limpa a boca, toma o guardanapo.
Não te amarrotes,
a roupa nova vai parecer um trapo...
Daqui a pouco os convidados estão a chegar!

Não, não comas chocolates...
Só depois de cantarmos os parabéns.
Não passes a mão no cabelo!
Está quietinho,
vais entortar o lacinho!
Quieto não torças o nariz,
vão pensar que nem maneiras tens!
O que foi? Não estás feliz?
O que foi? Porquê essa lágrima?
Não gostas do fato novo?
Não?
Não gostas das senhoras que vieram à tua festa?
Olha que elas têm muitos presentes!
Também não gostas?
Hum...
Olha espera, fecha os olhos!

Um pouco depois,
o Joãozinho ouviu a mãe bater palmas,
abriu os olhos e viu...
Ah, que lindo;
os seus amigos
cheios de sorrisos que pareciam  coloridos balões
e as pernas tão livres dentro dos calções...

Mas porquê esse olhar?
Porquê esse beicinho? Pareces querer chorar!

Joãozinho olhou para baixo...
Como dizer que não gostava da roupa nova?
Nem se podia mexer! A roupa brilhava tanto,
mas tinha um ar tão austero,
ordenava-lhe que ficasse quieto a um canto.
Como dizer-lhe; tira-me isto, não quero!

A mãe que o entendeu
enfrentou o exame critico das senhoras;
retirou-lhe o lacinho,
afinal dava-lhe um ar tão aflitinho,
como se estivesse a explodir.
Tirou-lhe o colete,
pegou na tesoura, cortou-lhe as mangas da camisa
e o Joãozinho começou a rir...
A mãezinha contagiada pela felicidade do menino
arregaçou-lhe as calças até aos joelhos,
retirou-lhe os sapatos de verniz
e deixou-o andar descalço...
E o Joãozinho correu, saltou
brincou como se dissesse,
obrigado mãe por me deixares ser feliz!
Houve um momento que olhou a mãe
que aflita, ao ver o filho parado
já pensava,
-O que foi? O que é que ele está a sentir?
Ah, mas viu o Joãozinho a correr para ela a sorrir,
cair no seu regaço,
estreitando-a num abraço ...
E como ela se comoveu
quando ele lhe segredou;

obrigado mãe, por me deixares ser eu!

Sinto-te assim 
De tão sincero o teu amor se tornou o meu abrigo,
a tua ternura a minha companheira, a minha luz...
A tua paixão é o meu luar ao estar contigo
e os teus lábios o carinho que me seduz!

E tantas vezes em que a tristeza me cerca,
o teu abraço vem sem eu pedir, protector
e para que minha alma numa ilha não se perca,
sem nada pedir, te ofereces em forma de amor!

Tu és o segredo doce que a vida me deu,
tu és o murmurar que o meu sono acalma,
tu és o ombro onde a minha certeza nasceu,
tu és a paz que vive na minha alma!

A paz que me ofereces é o meu passo seguro e certo.
O teu esquecer de ti para seres o meu céu
me faz crescer o desejo de te ter por perto
sentindo que o teu amor, a minha solidão venceu!



Sem comentários: